Vitória do Espírito Santo. Estamos no bairro de Lourdes: primeiro de maio de 1967: 6 horas da tarde. O sino tocava o Ângelus. A igrejinha no pé da favela Gurijica, Nossa Senhora da Consolação, estava lotada, transbordando de gente. O povo das favelas da região ocupavam a nave central , os companheiros metalúrgicos da Ferro e Aço estavam à esquerda do altar e minha familia à direita. Diácono, prostrado diante de Deus, de Dom João Batista Motta e Albuquerque e do povo dos pobres, escutava a ladaínha de Todos os Santos. Depois de lembrar o Vietnam perseguido, a identidade de Jesus com os pobres e a misericórdia d'Aquele que tudo e todos vê e ama, o velho arcebispo capixaba me impôs as mãos sobre minha cabeça, invocou o Espírito sobre mim para evangelizar os pobres e anunciar a libertação aos oprimidos, aos "damnés de la terre" e ungiu com o óleo consagrado na última quinta feira santa, minhas mãos de metalúrgico, de soldador. O companheiro de Jesus de Nazaré Carpinteiro se tornou Sacerdote da Palavra enviado ao mundo do trabalho para evangelizar e também ser evangelizado.
Primeiro de maio de 2010: 43 anos depois ainda me soa aos ouvidos o canto da igrejinha no pé da favela: "Tu és sacerdote eternamente - Sacerdos in aeternum secundum ordinem Melchidesec".
Foram 10 anos como padre-operário na fábrica, nas vilas, nas favelas, na resistência democrática. Ao sair da prisão política, recebí do Papa Paulo II a dispensa dos compromissos sacerdotais. E a vida continuou: o trabalho, o casamento, os filhos. E o sacerdócio em outros minitérios: no jornal, na sala de aula, na política, no Congresso Nacional, na Secretaria do Meio Ambiente, na Embaixada do Brasil em Cuba, na Cemig, na Revitalização do Velho Chico, nas eleições, na busca ao Senado.
A unção é unção, primo. Mesmo apesar das dispensas mundanas... Mesmo que caminhemos caminhos às vezes obtuses, a unção continua unção.
ResponderExcluirOs dons que recebemos (e quando recebemos só mesmo nós e Deus é quem sabemos "como"...) são para serem usados em prol da coletividade.
Sua escrita me remota ao monte de areia do jardim da minha infância, porque tudo que eu devia saber na vida, "o que fazer e como ser", eu aprendi no jardim da infância. Coisas que eu aprendi: dividir tudo; ser justo; não machucar ninguém; colocar as coisas de volta no lugar onde as achei; arrumar minha própria bagunça; nunca pegar o que não é meu; pedir desculpas sempre que machucar alguém; lavar as mãos antes de me alimentar; agradecer a Deus todos os dias ao levantar, ao deitar e ao tomar as refeições; dar descarga no banheiro...
Aprendi também a viver uma vida balanceada: aprender um pouco; pensar um pouco; desenhar um pouco; pintar um pouco; cantar um pouco; brincar um pouco e trabalhar um pouco todos os dias; dormir um pouco todas as tardes. Aprendi também que ao sair na rua, olhar os carros, dar a mão aos mais velhos e ficar junto. Foi aí que me dei conta de que tudo que eu precisava saber, estava lá em algum lugar: regras sobre vida, amor, saneamento básico, ecologia, política, igualdade e fraternidade. É só pegar qualquer um destes termos e extrapolar para sofisticadas palavras da linguagem adulta, então aplicar na vida familiar, trabalho, governo ou mundo, e tudo vai continuar firme e verdadeiro.
Precisamos reaprender a cantarolar musiquinhas infantis, buscar nos emaranhados passos da criança que fomos, que nos dirigiu ao amor e nos tornou crentes, e encontrar as verdades insofismáveis dentro de nós mesmos. As vezes me fito no espelho e procuro em meu rosto um doce sorriso que me lembro ter dado na infância. É lá, no monte de areia do jardim de infância que está a lembrança do que fomos.
Ao longo do caminho, tenho aprendido a força das verdades simples: que a vida não tem garantias, que cada momento é importante e que o amor resiste a tudo.
Busque, nos passos da criança que você foi, a lembrança do seu jardin da infância, para hoje, como homem, aplicar à vida pública em prol da coletividade.
À vitória nas urnas.
Primo Toninho.