Gostaria de iniciar estas breves reflexões citando um autor de minha língua: Fernando Pessoa. Diz ele que: "Cada coisa a seu tempo./Não florescem no inverno os arvoredos,/Nem pela primavera/ Tem branco frio nos campos."
Ele parece refletir à nossa "incerta vida". Ponto.
Lí com espanto e dor sobre a morte da Dra. Zilda Arns. Espanto porque existem pessoas que de tanto nos acostumarmos a citá-las, a ler sobre os trabalhos que executam e a estudar suas palavras, jamais morrem. E digo morrer no sentido de que estaremos daqui para sempre revirando e tentando inovar sobre os ensinamentos que ficaram. Não é tarefa fácil, é coisa dolorosa quando a natureza mostra sua força através, no caso de morte; na mesma intensidade quando, diante da fatalidade, nos obriga a vida com toda complexidade e obrigações. Dor, porque toda perda nos conduz a vários caminhos: mergulhar nos labirintos daquilo que se foi; entender os meandros do que não temos mais por perto; decifrar polifonias, deixar o coração chorar, abraçar com saudade todas as lembranças possíveis. Dizia Foucault que "o pensamento não é coisa de especialistas, mas um exercício de vida." E é com essa expressão e a poesia do Pessoa que tratarei de amenizar a minha dor e e o meu espanto.
A vida da Dra. Zilda nos aponta para o real exercício da generosidade e da determinação crítica de praticar o bem, tudo isso como possibilidade ética pessoal e social no leque de escolha dos caminhos que o mundo, na sua vastidão, oferece. A opção da Dra. Zilda Arns foi coisa de gente grande dedicada a causa das crianças brasileiras e de tantos outros lugares. Falar sobre os frutos colhidos e por colher seria pretencioso demais, até porque, de tão grande é a sua produção, pouco saberia ou ousaria escrever sobre a extensão de todo esse trabalho. Prefiro pensar sobre a terra e a semente. Aquela que cai sobre o chão fértil e germina e, ainda, aquela que é adubada pelo amor ao próximo e pelo respeito à vida em todos os sentidos expressos pela existência feliz e saudável. São esses encontros entre boa semente e terra fertilizada de vida que nos revigoram agora e sempre.
No distante Porto Príncipe, no paupérrimo Haiti, Dona Zilda marcou mais um encontro com o seu destino: nos revigorar e levar sua mensagem de esperança trabalho duro no sentido de resolver questões sobre a desnutrição infantil e instrumentalizar pessoas e organizaçãoes para combater o analfabetismo das mães dessas crianças. Num dia, quase anoitecendo, Dra. Zilda silenciou enquanto a terra gritava. Contudo seu silêncio foi apenas uma pausa para que chorássemos um pouco. Logo a terra continuou a dizer que gritava, que corria, que tinha filhos para cuidar. E Dra. Zilda Arns voltou a falar e a nos fazer sorrir diante da vida, do outro, do mundo e das circunstâncias adversas. Não há, imagino, o que fazer senão olhar para o seu exemplo e arregaçar as mangas.
*Professor, jornalista, fotógrafo, pós-graduado em Comunicação Empresarial e Mestre em Educação e Cultura e Organizações Sociais.